Gilmar Mendes, do STF, numa canetada, põe em risco conquistas dos trabalhadores nas CCTs e ACTs

O ministro Gilmar Mendes (foto), do STF (Superior Tribunal Federal), em polêmica decisão recente, descartou o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre a validade dos benefícios sociais consagrados nas Convenções Coletivas de Trabalho (CCTs) e nos Acordos Coletivos de Trabalho (ACTs) mesmo após o término desses instrumentos de negociação entre empregados e patrões. Essa continuidade dos direitos estabelecidos de comum acordo, até que novo instrumento negocial seja firmado, é a chamada “ultratividade”.

Para Gilmar Mendes, direitos como auxílio-alimentação, plano de saúde e tantos outros devem simplesmente ser extintos assim que termina o prazo de vigência de CCTs e ACTs. Ou seja, por essa proposta, se os patrões não negociarem e não se chegar a um acordo, os trabalhadores ficariam automaticamente sem seus direitos. A polêmica decisão do ministro Gilmar Mendes, porém, ainda será apreciada pelo plenário do STF.

Para o presidente do SAAERJ, Elles Carneiro, o caso é gravíssimo e, se confirmada a medida, merece uma resposta à altura do movimento sindical. “Se há algo no Brasil que realmente merece uma Greve Geral dos Trabalhadores é esta decisão contra a ultratividade”, defendeu.

Gilmar Mendes suspende efeitos de decisões da Justiça do Trabalho sobre ultratividade de convenções coletivas e acordos trabalhistas

Por pressão de confederação patronal, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, na última sexta-feira (14), medida cautelar para suspender todos os processos e efeitos de decisões no âmbito da Justiça do Trabalho que discutam a aplicação da ultratividade de normas de acordos e de convenções coletivas de trabalho.
A decisão, a ser referendada ou não pelo plenário do STF, foi proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 323, ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), que questiona a Súmula 277, do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

“A ultratividade era alternativa ao ‘de comum acordo'”

“A decisão do ministro Gilmar é um absurdo”, criticou o presidente do DIAP, professor Celso Napolitano. “A ultratividade era uma alternativa ou contraposição ao ‘de comum acordo’, que inviabiliza levar as negociações coletivas, quando não há entendimento, a dissídio”, lembrou.

O fim da ultratividade vai “abrir um vácuo entre o final da vigência dos acordos e contratos coletivos de trabalho e a vigência de novos acordos”. E emendou: “sem a ultratividade e a impossibilidade de ir a dissídio coletivo, em razão da Emenda Constitucional 45, que só permite a interferência ou mediação da Justiça do Trabalho se houver o ‘comum acordo’ entre as partes, tudo ficará mais difícil nas relações de trabalho”.

Essa decisão do ministro “obrigará novas estratégias de negociação”, pontificou. Napolitano também chamou atenção para o “vácuo de direito”, que causará essa decisão desastrosa do Supremo.

“A ultratividade dava tranquilidade para ambas as partes [patrões e trabalhadores], principalmente para os trabalhadores, que sem a pressão por um novo acordo tinham um ambiente tranquilo para formular propostas para pactuação de novo acordo ou convenção”, lembrou Napolitano. “Sem a ultratividade surgirá um caos nas relações de trabalho”, pois com o encerramento da ultratividade, os direitos consignados nos pactos caem no dia seguinte ao seu término.

Perda da data base

A primeira consequência desta decisão do ministro Gilmar Mendes “é a perda da data base das categorias”, enfatiza o advogado trabalhista e membro do corpo técnico do DIAP, Hélio Gherardi. Assim, com a exigência do “comum acordo” entre as partes para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica, consoante norma prevista no artigo 114, parágrafo 2º, as categorias de trabalhadores cairão numa espécie de “buraco negro”, acrescenta Gherardi, pois sem a ultratividade e sem a possibilidade de ir a dissídio os sindicatos perdem o poder de negociação.
Ultratividade é um princípio de direito que guarda relação estreita com os princípios constitucionais da reserva legal e da anterioridade da lei. Isto é, a lei, no caso a convenção ou acordo coletivo anterior, fica valendo até que nova convenção ou acordo seja firmado.

“Um presente para professores e Auxiliares de Administração Escolar” 

A decisão (monocrática) liminar (provisória) do ministro “é uma extravagância”, segundo o advogado trabalhista e também membro do corpo técnico do DIAP, José Eymard Loguercio, pois só em dois casos específicos se concede liminar. Ainda segundo Eymard: a primeira é por decisão do pleno, com maioria absoluta; e a segunda é quando há clara e grave violação de preceito fundamental da Constituição. O que não é o caso.

“O ministro Gilmar afirma que o TST vem julgando arbitrariamente e favorecendo o trabalhador”, questiona Eymard. Assim, o que se vê nessa decisão do STF é o Supremo entrando, de fato, na pauta da reforma trabalhista, antes de o Congresso deliberar sobre matérias com esse conteúdo, destaca o advogado.

“Essa decisão é um presente do ministro Gilmar Mendes para os professores e Auxiliares de Administração Escolar”, ironiza Eymard, já que a decisão liminar foi concedida sexta-feira (14), um dia antes do dia do professor, cuja data comemorativa é 15 de outubro, foi para atender a demanda judicial da patronal Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen).

“Trata-se da pior decisão deste país para todos os trabalhadores. Numa só penada acabou com a CLT E O PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA DO TRABALHO, ESPECIALIZADA”, na opinião do presidente do SAAERJ, Elles Carneiro.

Para o SAAERJ, o caso é gravíssimo e merece uma resposta à altura do movimento sindical. “Se há algo no Brasil que realmente merece uma Greve Geral dos Trabalhadores é esta decisão contra a ultratividade”, defendeu o presidente Elles.

Pressão patronal 

Segundo a entidade, ao estabelecer que as cláusulas previstas em convenções ou acordos coletivos integram os contratos individuais de trabalho, mesmo depois de expirada sua validade, a súmula contraria os preceitos constitucionais da separação dos Poderes (artigo 2º da Constituição) e da legalidade (artigo 5º).
A Confenen relata que a alteração jurisprudencial na justiça trabalhista “despreza que o debate relativo aos efeitos jurídicos das cláusulas coletivas no tempo sempre esteve localizado no plano infraconstitucional, fato evidenciado pela edição da Lei 8.542/92, que tratou do tema, mas foi revogada”. Argumenta que a teoria da ultratividade das normas coletivas sempre esteve condicionada à existência de lei, não podendo ser extraída diretamente do texto constitucional.

Ao conceder a liminar, o ministro justificou que “da análise do caso extrai-se indubitavelmente que se tem como insustentável o entendimento jurisdicional conferido pelos tribunais trabalhistas ao interpretar arbitrariamente a norma constitucional”.

Ele ressaltou que a suspensão do andamento de processos “é medida extrema que deve ser adotada apenas em circunstâncias especiais”, mas considerou que as razões apontadas pela Confederação, bem como a reiterada aplicação do entendimento judicial consolidado na atual redação da Súmula 277 do TST, “são questões que aparentam possuir relevância jurídica suficiente a ensejar o acolhimento do pedido”.

Projetos no Congresso

Há duas proposições em tramitação no Congresso que versam sobre a ultratividade das convenções e acordo coletivos de trabalho. Uma está em discussão na Câmara. Trata-se do PL 6.411/13, que altera o parágrafo 3º do artigo 614 da CLT, para dispor sobre a vigência de convenções e acordos coletivos e o princípio da ultratividade. Pelo projeto, as convenções e acordos, pelo princípio da ultratividade, terão duração máxima de quatro anos.
O projeto é de autoria do deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT) e está em discussão na Comissão de Trabalho, onde recebeu parecer favorável do relator, deputado Benjamin Maranhão (SD-PB).

O outro projeto de lei é o PLS 181/11, que permite a prorrogação de acordo ou convenção coletiva enquanto não for celebrado novo instrumento normativo. Isto é, o projeto institui a ultratividade. De autoria do senador José Pimentel (PT-CE), a matéria está em discussão na Comissão de Constituição e Justiça, onde o relator, o então senador Douglas Cintra (PTB-PE) ofereceu parecer favorável ao substitutivo aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos.

O substitutivo determina que as convenções e acordos coletivos de trabalho terão vigência máxima de dois anos, com prorrogação de mais um, até que novo entendimento seja celebrado; não se aplicando a ultratividade das cláusulas normativas.

Após o exame da CCJ, a matéria ainda será apreciada pelas comissões de Direitos Humanos e Legislação Participativa; e de Assuntos Sociais, respectivamente, cabendo a esta última decisão terminativa.