Reflexões sobre a democracia que queremos e precisamos

democracia-brasilA verdadeira democracia deve estar alicerçada dentro de uma esfera humanista. “A democracia genuína é a da sociedade onde todos atuam “um por todos e todos por um”: é a realização de seres dignamente humanos, comprometidos com o bem-estar de todos, da partilha e não da competição.

Ulisses Riedel*

“A democracia se fundamenta na igualdade de direitos, de oportunidades, de atuação, de bem-estar social, de acesso à cultura, à educação, à saúde, à moradia, ao lazer, para todos os cidadãos. Nunca uma igualdade imposta, mas eticamente conquistada como um valor social. É intrínseco à democracia, é a sua alma, a ética igualitária”. O texto transcrito foi adotado como base nos diálogos do Grupo de Estudos sobre Política do Movimento 2022 – O Brasil que queremos, realização da Universidade de Brasília (UnB) em conjunto com a União Planetária (UP).

Observando o diálogo proposto, acreditamos que os poderes totalitários são inadmissíveis, restando inquestionavelmente a democracia como a melhor organização governamental; por isso, é necessário identificar a democracia que queremos. A democracia é um modelo de organização social que deve, necessariamente, corresponder a princípios, sendo o fundamental o da ética igualitária.

Em outras palavras, a definição dessa organização não está na forma estruturada, mas sim na vivência dos princípios filosóficos, nos valores imateriais que lhe dão vida. Acima das normas deve prevalecer o espírito. Quando os princípios são abandonados, as formas ficam vazias, cascas sem vida, corpos em decomposição. O voto é o elemento básico da manifestação democrática. Assim, é preciso verificar como é aferida a vontade popular por meio da ação de votar.

Para que a democracia aconteça em sua plenitude é essencial que as normas estabeleçam condições de igualdade entre os candidatos. Se a eleição estiver montada em um esquema que demande recursos, então fica explícita uma disputa desigual, que elege primordialmente aqueles que possuem melhores condições econômicas, ou são financiados por grandes conglomerados, o que corrompe o ideal democrático. Importante observar que, no padrão atual de organização partidária, essas organizações habitualmente estão sob o domínio de dirigentes, ou seja, têm “donos”, impossibilitando assim, a justa participação da população.

É obvio que o poder econômico tem uma grande importância na organização social, mas, a soberania é do povo, e não do segmento rico da sociedade, cujos interesses conflitam com os interesses gerais.

Se a política for pautada dentro da visão da livre concorrência, sem limites, sem empatia, liderada por representantes de grupos, de bancadas, visando apenas interesses privados, teremos um tipo de gestão em que não serão atendidas as necessidades da nação, mas somente dos interesses econômicos em jogo. Mas se o governo estiver constituído por representantes comprometidos, então será exitoso e de fato democrático.

A visão fundada no modelo liberal econômico, na economia de mercado, não condiz com os ideais democráticos. A verdadeira democracia deve estar lastreada em uma organização social ética, onde sejam oferecidas iguais condições de desenvolvimento, de oportunidades, de trabalho, de afirmação profissional a todos os seus integrantes. A verdadeira democracia deve estar alicerçada dentro de uma esfera humanista. A democracia genuína é a da sociedade onde todos atuam “um por todos e todos por um”: é a realização de seres dignamente humanos, comprometidos com o bem-estar de todos, da partilha e não da competição.

Quando existe uma maioria expressiva, egoísta ou altruísta, essa tônica formará a mentalidade coletiva, estabelecendo os costumes, as leis, humanas e/ou desumanas, conforme a tendência preponderante. Dentro de nossa percepção, ficou absolutamente claro que são os valores imateriais que conduzem as civilizações. Não é a tecnologia, a ciência, a economia, a administração, a política, apesar da magna importância de todas elas, que dão o direcionamento, mas sim os valores nelas aplicados tanto de virtudes, quanto de vícios.

As experiências individuais e coletivas de amor e ódio, de apego e rejeição, admiração e desprezo, de entusiasmo e desinteresse, medo e enfrentamento, elogio e crítica negativa, mobilizam mentes e corações, definindo as características dominantes do caráter formatado pelos valores adotados, positivos ou negativos, influenciando o comportamento político. Daí se conclui que o trabalho mais importante de uma sociedade é o de aprimorar os seus valores éticos, morais, humanistas, espirituais. Essa é a democracia que devemos buscar: da cooperação, da irmandade, reconhecendo que a nossa família é a humanidade, eis que “não há ideologia superior à solidariedade”.

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(*) Fundador e diretor-técnico do Diap. Advogado trabalhista. Publicado originalmente no Correio Braziliense, em 11/07/18 e republicado no site do DIAP.